sexta-feira, setembro 23, 2005

APOSENTADORIA

Que me perdoem os trabalhadores contumazes, mas confesso que estar aposentada é tudo o que eu mais queria na vida. O pior é que só descobrí isso depois que me aposentei, pode?
Todo mundo me falava pra tomar cuidado com a deprê que fatalmente viria após algum tempo de ócio, mas já faz três anos que estou nesse deleite e não houve um só dia em que eu preferisse estar, ainda, na ativa. Gente, do céu! Como é que alguém pode passar tanto tempo "labutando" e NUNCA se acostumar a isso? Olhem que eu trabalhava desde os quatorze anos; lá em casa a ordem era a seguinte: pesou mais de 30 quilos, sabe ler, escrever e fazer as quatro operações? Vai à luta, que a vida é "peia" e não é mole!
Também, fazer o quê? Era criança que não acabava mais ... meu pai (que Deus o tenha em bom lugar, porque ele merece mais que ninguém), trabalhador braçal, durante o dia, e professor primário, à noite (ensinava, gratuitamente, crianças e adultos carentes da vizinhança), homem sábio, auto-didata e religioso ao extremo, vivia e praticava o evangelho na sua íntegra, católico fervoroso que foi; não admitia métodos anticoncepcionais (porque a Igreja condenava) e, por isso, a coitada da minha mãe começou a parir aos 16 anos, numa maratona de fazer menino que resultou em 22 filhos! Isso mesmo, 22!!! E só não completou os 23 porque o útero já não segurava mais nada e o 23º não "vingou". Curioso é que só houve um único ano da sua vida reprodutora em que a coitada "passou batida", sem engravidar, mas, como "alegria de pobre dura pouco", no ano seguinte vieram gêmeos, pra ela não ficar inadimplente!
Ela conta que lá pela 18ª barriga, estava numa fila pra se confessar quando o frade, vendo-a angustiada pela demora, chamou-a, dando-lhe a prioridade da vez; ao ajoelhar-se, o confessor perguntou-lhe:
- É o seu 1º filho? - Responde a minha mãe:
- Não. É o 18º - Daí o frade, arregalando os olhos, lhe disse:
- E o que é que a senhora tá fazendo aqui, madame? A senhora já tem crédito demais lá em cima ... tá perdoada, inclusive, de todos os pecados que porventura venha a cometer daqui pra frente! Vá pra casa!

Pois é, tergiversações à parte, o fato é que eu tinha que dar esse depoimento, porque, filha de quem sou, às vezes tenho a sensação de estar em desacordo total com as minhas origens, já que me descobrí uma preguiçosa de carteirinha e, portanto, diametralmente oposta à disposição para o trabalho que o meu velho pai sempre demonstrou ... Quanto à maternidade, essa me veio traiçoeiramente (a pílula falhou) uma única vez, o que me fez redobrar os cuidados para que nunca mais se repetisse e encerrei em um só produto a minha contribuição pra a preservação da espécie ... mas ainda acho que aquela pílula me sacaneou para sempre (que me perdoem os que curtem ser pais). Ou seja: Também não trouxe comigo a vocação pra parideira da minha mãe.

Só pra esclarecer: Dos 22 filhos nascidos só restaram 08 heróis da resistência (euzinha, inclusive, é claro!), porque, obviamente, não havia como cuidar de tantos com o necessário esmero e aí, com a mesma constância que nasciam, morriam bebês a torto e a direito (de cachumba, catapora, sarampo e todas essas doenças bobas para as quais hoje já há vacinas), para a profunda tristeza do meu pai, que se orgulhava da sua prole.
Hoje minha mãe está com 91 anos, totalmente lúcida, com uma saúde invejável e a mesma mão de ferro com que nos criou e educou. Continua sendo a matriarca linha-dura que sempre foi, controla a todos nós e nenhum dos filhos, netos ou bisnetos ousa contrariá-la. Tem mais: Mora sozinha, no interior e não admite a idéia de morar com nenhum dos filhos, porque não se adapta à capital - Todos vivemos em Recife, à exceção de uma das minhas irmãs, que ainda mora lá, mas as duas vivem em casas distintas.

Eita, acabei contando a minha vida desde criança e não acabei o assunto-título! Mas, deixa pra lá ... quem sabe, outro dia, eu volto a ele? Por hoje, é só. Desculpem a conotação intimista do meu post de hoje, tá?

Bjssssssssssssssssssss!