sexta-feira, outubro 26, 2007

O GALÃ DE SUBÚRBIO

Nos primórdios da minha vida de bancária fui escalada pra trabalhar no pagamento do PIS, uma espécie de "prova de fogo" a que eram submetidos os novatos. Era um verdadeiro teste de resistência, pois além das multidões de trabalhadores que tínhamos de atender, em geral o banco alugava galpões enormes e desconfortáveis, onde eram improvisados os balcões de atendimento. Filas quilométricas, uma verdadeira legião de estudantes universitários contratados para dar reforço, mais um monte de funcionários estabanados, indo e vindo, resultavam em imensos salões empoeirados e, via de regra, sem ventilação adequada, num calor infernal ... Enfim, a gente trabalhava feito um bando de condenados.
Ah! mas a gente se divertia pra caramba! Éramos todos muito jovens e cheios de garra, não faltava camaradagem, bom humor e muita alegria. Qualquer coisa era motivo pra boas gargalhadas. O público ao qual atendíamos era muito diversificado, compreendendo desde trabalhadores rurais (que chegavam apinhados em caminhões, trazidos durante a madrugada, pela usina-empregadora) até advogados espertos, representando seus clientes (estes sempre reivindicando privilégios nada cabíveis, pra "furar" as filas).

No verão em que se deu o "causo" em pauta, o prédio alugado para essa finalidade ficava de frente pro sol, que castigava, inclemente, invadindo o recinto e provocando uma claridade incômoda aos nossos olhos. Nesse dia eu havia esquecido os meus óculos de sol e estava me sentindo muito desconfortável em trabalhar exposta àquela luz intensa. De tanto reclamar, o meu chefe me ofereceu uns óculos que haviam sido deixados por alguém, na sua mesa e eu, aliviada, aceitei a oferta, pois não estava conseguindo trabalhar direito com todo aquele solzão no meu rosto. Os tais óculos me serviram bem, apesar de exibir uma bandeirosa borboleta encrustada de pedrinhas no canto do olho direito, que me fez concluir ser a sua dona uma tremenda "perua". Mas, como diz o ditado, "Cavalo dado não se olham os dentes" e, dada a absoluta falta de opção, no momento, pus a peça na cara e continuei o meu serviço, sem tempo, sequer, de levantar o rosto pra não ver o tamanho da fila que, àquela altura, dobrava o quarteirão ...

Estou eu bem absorta na identificação dos participantes quando um colega me sussurra aos ouvidos: "Acho que tu acabas de "ganhar" alguém da fila". Curiosa e faceira, procurei ver de quem se tratava. Não foi difícil localizar o meu admirador! O sujeito fazia tanto salamaleque pro meu lado, me apontando pros parceiros, piscando olho e fazendo poses insinuantes, que logo percebí quem era o tal. A sua descrição é a seguinte:

Um cara de uns vinte e cinco anos, magro, alto, vestindo calça e jaqueta jeans, com um bigodinho a la cafageste, costeletas proeminentes, óculos escuros (que ele fazia questão de manter na ponta do nariz, pra me ver melhor) - O próprio galã de subúrbio! - e um detalhe que matou todas as esperanças porventura existentes de que eu viesse a lhe ser receptiva: Lindos dentes ... Todos dois! Como se não bastasse a boca vampiresca, ainda exibia garbosamente um chapeuzinho de jeans com o dístico: "QUILUXO", bordado em letras garrafais!!!

Pronto! Foi o que bastou pra me deixar com frouxos de riso e me desconcentrar completamente do que estava fazendo porque, a essa altura, todo mundo já tirava sarro de mim (inclusive eu) e as piadinhas mordazes não davam trégua. Mas o que provocou a minha retirada do ambiente, por absoluta incapacidade de conter o riso e, assim, preservar a postura profissional até então, mesmo precariamente, mantida, foi a sutileza da sua "cantada", ao se aproximar de mim, quando chegou a sua vez de ser atendido:
Ele cutucou o seu parceiro, escorou o cotovelo no balcão e me disse, baixinho:
EU HOJE VOU JOGAR BRABULETA!