sábado, novembro 04, 2006

CRIANÇA TEM CADA UMA!

Todo mundo conhece a espontaneidade das crianças e sabe que, por desconhecerem as regras do comportamento social adulto (algumas bem hipócritas), elas são muito verdadeiras e, por isso mesmo, às vezes tornam-se até cruéis na sua pureza e ausência de malícia.
Quem de nós nunca passou uma "saia justa" pela inocente indiscrição de uma dessas pequenas pessoinhas?

Eu mesma já fiquei moooooooooooooooorta de vergonha no aniversário de sete anos do meu filho, quando ele gritou em alto e bom som, pra todos os presentes ouvirem: "EU JÁ DISSE QUE A GENTE NÃO PODE SUBIR PRO MEU QUARTO, PORQUE MINHA MÃE NÃO QUER , PRA NINGUÉM ROUBAR OS MEUS BRINQUEDOS"!
Ocorre que havia, entre os amiguinhos dele, um que sempre que entrava aqui em casa saía furtivamente com o brinquedo que ele mais gostasse, no momento e como eu já tinha percebido que ele fazia isso com a conivência da mãe, conversei com o meu antes da festinha a fim de convencê-lo a não trazer os seus convidados pro quarto, como de costume, concentrando-os lá embaixo do prédio aonde ocorriam as brincadeiras; como ele relutava muito em aceitar o acordo, eu falei: TÁ BOM! VOCÊ TRAZ, MAS DEPOIS NÃO VENHA CHORAR PORQUE OS SEUS BRINQUEDOS DESAPARECERAM, OUVIU?
Pra não lhe apontar qual dos seus amiguinhos eu não queria que entrasse no quarto, acabei pagando esse homérico mico frente a todos os pais e convidados presentes ... UM HORROR!


A minha mãe, que tem um cabelo muito liso, sempre havia sonhado com um permanente pra encaracolá-los (vá entender as mulheres!) e resolveu fazer isso exatamente no dia do aniversário de cinco anos do meu sobrinho mais ansioso para quem, não por acaso, a hora do corte do bolo era mais importante do que receber presentes. E aí foi um inferno pra a minha irmã, porque a todo instante ele lhe perguntava quando iria cortar o bolo, ao que ela respondia: "Só quando a sua avó chegar" ... O tempo passava e a minha mãe não chegava do cabeleireiro. Aquela demora já estava enervando a todos, porque o menino não parava de perguntar, quando ele resolveu esperar a avó na frente da casa, olhar aflito e na ponta dos pés, ansioso por vê-la apontar na rua, até que a vislumbrou entre os transeuntes. Foi então que, feliz da vida, irrompeu na sala aonde todos nós aguardávamos, ansiosos, pra ver o novo visual da nossa mãe, que nunca tinha, sequer, mudado o corte do cabelo. O menino entrou correndo e gritando, feliz e eufórico:
"MAMÃE! MAMÃE! GRAÇAS A DEUS! VOVÓ VEM ALI... HORRÍVIA!!!"
A coitada da minha mãe nunca mais quis nem ouvir falar em cabelos ondulados, depois dessa.


Aliás, a minha mãe parece ser freguesa dessas situações. Ela nos conta que quando as primeiras filhas eram pequenas e chegavam da escola pedindo dinheiro, lápis de cor, massinha de modelar, tudo pro dia seguinte, em nome da professora, ela costumava esbravejar, entre dentes: ... "Essas professoras de hoje, em vez de pedir tudo de uma vez, ficam nesse pinga-pinga ... Elas pensam que a gente tem dinheiro fácil, feito puta?". Somente no dia em que conversando com uma vizinha esta lhe falou que o marido a havia abandonado "por causa de uma puta", minha mãe veio ter a exata noção de quão antipedagógicos haviam sido os seu desabafos: Minha irmã, que brincava ali perto enquanto elas tricotavam, levantou-se num repente e falou pra ela:
"EITA, MÃE! POR FALAR EM PUTA EU ME LEMBREI DA MINHA PROFESSORA ... ELA DISSE QUE É PRA LEVAR DINHEIRO PRA A FESTINHA QUE VAI TER AMANHÃ, NA ESCOLA!"


De todos os vexames que vivenciei com esses serezinhos sem um pingo de caridade, foi este que mais me deixou sem graça:

Havia, numa paróquia lá da minha cidade, um padre que era a maior gente fina. Simpático, carismático, atuante e muito bem entrosado com a sua comunidade. Só tinha uma coisa insuportável no pobrezinho: O seu mau-hálito era um antídoto para qualquer possível tentativa de aproximação física menor que dois metros! Todos conheciam esse seu insuperável defeito e procuravam evitar o mal-estar de aturá-lo. Uma colega minha era da sua paróquia e costumava fazer piadas a respeito, no escritório, onde todos se divertiam e ilustravam as suas "tiradas", inclusive eu - claro!
Um dia vínhamos caminhando pela calçada ela, uma sobrinhazinha dela de uns três anos e eu, quando avistamos o padre, uns seis metros à nossa frente. Ao nos ver, o pároco parou, estendeu os braços pra menininha, agachou-se e esperou o abraço ... "CADÊ O ABRAÇO DO PADRE, LINDINHA?"- gritou, de lá.
Imediatamente a garotinha disparou em sua direção, agarrou-se no seu pescoço, toda feliz, mas quando o pobre padre abriu a boca pra lhe dirigir a próxima palavra ela, já irremediavelmente aboletada no seu colo, jogou esta pá de gelo em sua euforia: "ECA, TITIA ... MEEEEEDAAA!!!," enquanto olhava pra nós, pedindo socorro e fazendo uma careta que até hoje não me saiu da cabeça. Foi constrangedor demais, mas imaginem os comentários que rolaram no escritório, no dia seguinte ... tsc, tsc, tsc... Que falta de humanidade com um representante do Senhor! - Diria uma irmã minha, politicamente correta em qualquer ocasião.