quinta-feira, fevereiro 19, 2009

CONTO DE CARNAVAL II


"MAMÃE ME DISSE QUE QUANDO EU DANÇASSE
FIZESSE ASSIM, PRA NÃO FAZER VERGONHA:
DE MADRUGADA, ME LEVANTASSE
RALASSE MILHO PRA FAZER PAMONHA"
Essa cantilena as meninas já conheciam de outros carnavais quando, ano a ano,nem bem o dia raiava, lá vinha D. Maria, arrastando os chinelos pelo quarto delas a dentro, cantarolando, vingativa, a entoar o seu grito de guerra contra aquela "doença" que suas filhas haviam adquirido - a paixão pela esbórnia generalizada, que se chamava "CARNAVAL"; "Uma invenção do cão - resmungava, entredentes - que não sei aonde essas meninas foram buscar, porque nem eu, nem o pai delas, jamais nos demos a esse desfrute! Deus me livre! Eu tenho a minha alma pra Deus, né pro capeta, não!"
Não adiantavam os seus esforços no sentido de coibir aquele vício das filhas, porque elas, ladinas e matreiras, já começavam a pôr em prática os seus planos pra derrubar quaisquer que fossem os argumentos da mãe, contrários aos seus objetivos momescos, a partir do início do mês de fevereiro, bem comportadazinhas que só ajudantes de missa: Iam à igreja todos os domingos; não quebravam as regras estabelecidas; não saíam à noite e, de preferência, nem sequer namoravam, pra que ela não viesse com aquele velho argumento de que "brincar carnaval com namorado, nem pensar!" Valia tudo pela liberdade de se esbaldar nas manhãs-de-sol e bailes carnavalescos durante o alegre tríduo. O pai era sempre mais fácil de convencer, porque ele costumava fazer retiro espiritual num convento de frades - e, como estaria ausente, passava pra mãe o bastão do comando. Bastava que prometessem não "aperriar sua mãe", o que consistia em obedecê-la sob qualquer circunstância, mas, principalmente, em deixá-la livre das obrigações domésticas - que ela detestava, diga-se de passagem e, sabendo-se absoluta no comando do lar, tirava proveito daquele período pra impor suas condições - "Se vocês estiverem dispostas a chegar do "frege" de manhã e dormir bem pouquinho pra poder pegar no batente, eu deixo vocês brincarem". Dizia, imperiosa. É certo que as meninas não curtiam nada essa onda de "gatas borralheiras", já que trabalhavam fora a semana inteira, mas valia o sacrifício pela folia... Ah, valia!
Não se sabe até hoje quem compôs essa musiquinha irritante com que a matrona as acordava, todas as manhãs de carnaval, mas até essa ironia pungente era-lhes indiferente, já que, em número de quatro, elas se auto-impunham as tarefas, assim distribuídas: Uma ficava com a faxina da casa; outra com a cozinha; outra mais lavava as roupas e à última cabia passá-las e lavar os banheiros. Não raro, recebiam ajuda das amigas que iam chegando, uma a uma, pra acompanhá-las até os clubes e, apressadas pra cair na gandaia, não queriam se atrasar esperando que a tropa terminasse os seus afazeres.
Outra condição imposta era a de que voltassem todas juntas e que cuidassem umas das outras, principalmente das mais novas ou mais "assanhadas", por assim dizer.
Naquele ano, as meninas não poderiam imaginar o sufoco que iriam passar e que quase pôs em risco o futuro dos seus próximos carnavais. Uma nova amiga, que nunca tinha brincado um carnaval de verdade, havia se agregado à sua turma e, por ser estreante, era o alvo dos seus cuidados pra que nada lhe acontecesse porque, se assim fosse, todas elas estariam numa "fria", com certeza. Tudo estava indo muito bem quando, ao amanhecer da quarta-feira de cinzas, a orquestra, sem dó nem piedade, começou a tocar "... É de fazer chorar quando o dia amanhece e obriga o frevo a acabar. Oh! Quarta-feira ingrata, chega tão depressa, só pra contrariar ..."
Acontece que no pique do frevo as meninas estavam se esbaldando e justamente a estreante não estava à vista. Foi quando chegou alguém e gritou, alarmado: "AQUELA AMIGA DE VOCÊS TÁ LÁ NA PISCINA, MORRENDO DE CHORAR!"... Pânico geral! O que terá acontecido com ela? - Perguntavam-se, aflitas e já antevendo uma bronca do tamanho de um trem. Acorreram todas ao local indicado pelo informante, abrindo caminho aos chutes e pontapés por entre a multidão, no salão, quando avistaram, de longe, a desditada, em prantos convulsivos. A aflição inicial logo se transformou em revolta generalizada... Ao ser sacudida pelas amigas que, em bloco, gritavam pra que parasse de chorar e lhes dissesse o que foi que aconteceu, a disgramada olha pra elas, soluçando e sai-se com essa: AH! MEU DEUS ... QUANDO EU PENSO QUE JÁ É QUARTA-FEIRA DE CINZAS, ME DÁ VONTADE DE MORRER DE TANTO CHORAR!!!"
PS: O "Conto de Carnaval I" pode ser lido aqui