quarta-feira, abril 23, 2008
HISTÓRIAS QUE A VIDA CONTA
Quando menina eu adorava cuidar de crianças (hoje ainda as adoro, desde que se encontrem confortavelmente acomodadas e bem cuidadas pelas suas próprias mamães, de preferência em suas casas). Isso deixava a minha mãe louca da vida, porque eu cismava de encher a casa de meninas pobres pra dar-lhes banho, pentear os cabelos, dar comida e levá-las pra passear todos os dias. É bem verdade que isso só acontecia porque, sendo a caçula, eu sentia falta de uma irmãzinha, mas a minha mãe, depois de ter parido vinte e dois bruguelos, não estava nem um pouco interessada em atender os meus apelos, obviamente.
Não sei se era a ausência de uma irmã mais nova ou o desejo (nunca satisfeito) de ter uma boneca que falasse, andasse, etc... O fato é que eu curtia adoidado fazer cachinhos numa menina loirinha, que parecia um brinquedo, filha de uma das muitas comadres que tinha lá no interior; apesar de ser ainda muito pequena, eu era a preferida das mães pra batizar os seus filhos por ser a mais nova filha do meu pai, um benfeitor da comunidade, como uma forma de agradá-lo ou ser-lhe gratas pelo seu esforço em minimizar o sofrimento que a miséria impunha àquela gente.
Hoje recebí um e-mail daquela menininha (não mais tão menina assim) e me veio à memória um dia, à tardinha, quando voltávamos ela e eu de um dos nossos passeios e, de repente, me deu vontade de fazer xixi. Fiquei aflita, sem saber o que fazer, porque ainda estávamos a algumas quadras de casa e não ia dar pra segurar até chegar lá. Como não tinha ninguém na rua, eu me agachei atrás da escadaria de uma escola pela frente da qual passávamos e pedí-lhe que ficasse de tocaia, na esquina, pra me avisar se viesse alguém enquanto eu satisfazia aquela insustentável necessidade fisiológica... Depois de alguns segundos, mal começara aquele ato explícito de atentado ao pudor público, ví que ela alternava olhares aflitos entre mim e a rua com a qual convergia a escola, arregalando os seus grandes olhos azuis e gaguejando, tentando falar alguma coisa, enquanto eu, aterrorizada, ouvia passos que se aproximavam mais e mais, perguntando-lhe se vinha alguém, quase gritando, porque ela não falava, só abanava a cabeça tanto no sim, como no não, enquanto os passos se aproximavam, se aproximavam, se aproximavam ... Não teve jeito! Interrompí a minha transgressão, levantando, num supetão, enquanto esbravejava pra ela: FALA, MENINA! VEM ALGUÉM, OU NÃO?
Vendo-me assim, tão zangada, ela respondeu um titubeante vvv...em! E eu, mais arretada ainda por não entender como alguém pode ter tanta dúvida se está, de fato, vendo alguém se aproximar ou não, quando pros meus ouvidos isso estava tão evidente, perguntei-lhe, rispidamente: AFINAL, QUEM É QUE ESTÁ VINDO?
E ela, bem inocente, quase chorando, respondeu-me esta pérola:
É UM BODE!
Nesse momento eu, ainda muto p... da vida pela aflição que tinha passado e contendo a vontade de dar uma boa gargalhada, peguei a sua mão e fui embora, arretada, mas compreendendo o porquê da sua dúvida ... Afinal, bode também tem olhos, né?
Não sei se era a ausência de uma irmã mais nova ou o desejo (nunca satisfeito) de ter uma boneca que falasse, andasse, etc... O fato é que eu curtia adoidado fazer cachinhos numa menina loirinha, que parecia um brinquedo, filha de uma das muitas comadres que tinha lá no interior; apesar de ser ainda muito pequena, eu era a preferida das mães pra batizar os seus filhos por ser a mais nova filha do meu pai, um benfeitor da comunidade, como uma forma de agradá-lo ou ser-lhe gratas pelo seu esforço em minimizar o sofrimento que a miséria impunha àquela gente.
Hoje recebí um e-mail daquela menininha (não mais tão menina assim) e me veio à memória um dia, à tardinha, quando voltávamos ela e eu de um dos nossos passeios e, de repente, me deu vontade de fazer xixi. Fiquei aflita, sem saber o que fazer, porque ainda estávamos a algumas quadras de casa e não ia dar pra segurar até chegar lá. Como não tinha ninguém na rua, eu me agachei atrás da escadaria de uma escola pela frente da qual passávamos e pedí-lhe que ficasse de tocaia, na esquina, pra me avisar se viesse alguém enquanto eu satisfazia aquela insustentável necessidade fisiológica... Depois de alguns segundos, mal começara aquele ato explícito de atentado ao pudor público, ví que ela alternava olhares aflitos entre mim e a rua com a qual convergia a escola, arregalando os seus grandes olhos azuis e gaguejando, tentando falar alguma coisa, enquanto eu, aterrorizada, ouvia passos que se aproximavam mais e mais, perguntando-lhe se vinha alguém, quase gritando, porque ela não falava, só abanava a cabeça tanto no sim, como no não, enquanto os passos se aproximavam, se aproximavam, se aproximavam ... Não teve jeito! Interrompí a minha transgressão, levantando, num supetão, enquanto esbravejava pra ela: FALA, MENINA! VEM ALGUÉM, OU NÃO?
Vendo-me assim, tão zangada, ela respondeu um titubeante vvv...em! E eu, mais arretada ainda por não entender como alguém pode ter tanta dúvida se está, de fato, vendo alguém se aproximar ou não, quando pros meus ouvidos isso estava tão evidente, perguntei-lhe, rispidamente: AFINAL, QUEM É QUE ESTÁ VINDO?
E ela, bem inocente, quase chorando, respondeu-me esta pérola:
É UM BODE!
Nesse momento eu, ainda muto p... da vida pela aflição que tinha passado e contendo a vontade de dar uma boa gargalhada, peguei a sua mão e fui embora, arretada, mas compreendendo o porquê da sua dúvida ... Afinal, bode também tem olhos, né?
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