domingo, junho 17, 2007
REMINISCÊNCIAS JUNINAS
Pode parecer paradoxal, mas esta época junina me deixa meio nostálgica e sem ânimo. Logo eu, uma forrozeira militante, nascida e criada na "Capital do Forró", que passo o ano inteiro dançando ao som da sanfona, triângulo e zabumba, membro da Associação Forró Pé-de-Serra de Pernambuco, entrar em deprê justo no mês dos folguedos de junho? Como é que pode? - comecei a me questionar... E aí vieram as lembranças de tudo o que foi a minha vida no interior, com lembranças inapagáveis de momentos únicos e que, por mais que eu resista ao tempo, não voltarão jamais... Uma verdade cruel e inexorável!
As festas e tradições relativas aos santos Antonio, João e Pedro sempre foram muito cultuadas no Nordeste e eu lembro que desde muito tenra idade assistia a minha cidade se enfeitar e se transformar num grande arraial. Todas as ruas competiam em animação, adornos, fogueiras e arrasta-pés, na disputa do título de "Rua mais animada" que a Prefeitura promovia e uma comissão percorria cada uma delas para eleger a mais autêntica. Por aí já dá pra imaginar a rivalidade que pintava entre os competidores. Todos os moradores da rua se envolviam no processo de enfeitá-la com bandeirolas, organizar as fogueiras (que não podiam faltar) em frente das suas casas, erguer a palhoça de folhas de eucalipto e ensaiar a quadrilha (o ponto alto da festa), além dos fogos que as crianças queimavam em volta das fogueiras - menos meus irmãos e eu, que minha mãe nunca nos permitiu brincar com fogos explosivos. Pra nós, meninas, apenas chuva de estrelinhas; aos meninos era permitido, no máximo, explodir "peidos de véia", que era um artifício triangular, com pólvora num dos vértices, mas que eles tinham que soltar com o auxílio de um adulto.
No dia de Santo Antonio, 12 de junho, uma das casas era disponibilizada para a festa das moças solteiras, as quais tinham que trazer um prato típico (pamonha, canjica, milho verde cozido, pé-de-moleque, bolo de macaxeira - aipim, em outras regiões - , arroz-doce, quindins, bolo de milho, etc...) e materiais diversos pras adivinhações que iriam lhes dar a pista de quem seria os seus futuros maridos, sob os auspícios do Santo Casamenteiro.
Eu, que nunca fui muito afeita a casamentos, costumava "aprontar" com elas e adorava "embananar" o resultado das suas adivinhações: Acordava cedinho, no dia seguinte, pra trocar as facas que elas enfiavam na bananeira na esperança de que, ao acordarem, alí estivesse escrito o nome do pretendente; trocava os bilhetinhos com os nomes dos seus bem-amados, que elas dobravam, cuidadosamente e jogavam num pires com água pra que o papel se abrisse... enfim, eu acabava fazendo uma confusão generalizada e as pobres moçoilas não entendiam lhufas dos recados de Santo Antonio, muitas vezes brigando entre si porque o nome que tinham escrito aparecia no pires de outra. Uma vez quase levei uns tapas da minha irmã porque uma amiga dela, que estava muito concentrada a segurar uma vela acesa, que respingava num copo d'água (dizia ela que os pingos iriam desenhar a primeira letra do nome do seu futuro marido), caiu num choro convulsivo quando eu passei correndo por ela e a fiz tremer a mão, desmanchando a letra que se delineava ali ... Uma tragédia!
No São Pedro a gente podia ir dançar coco-de-roda no terreiro de Seu Pedro, um velhinho boa praça, que festejava o santo homônimo promovendo uma "mazurca" pras crianças em redor da enorme fogueira que ele montava pra essa finalidade. Nessa ocasião a gente podia pegar na mão do garoto da nossa preferência, enquanto rodeava a fogueira ao som da percussão e da voz do bom velhinho, que tirava os versos no gogó pra gente responder o refrão:
"EU NESSE COCO NÃO VADEIO MAIS"- Seu Pedro
"APAGARAM O CANDEEIRO E DERRAMARAM O GÁS" (coro)
Tinha também o prazer indizível de inaugurar o vestido novo feito de xitão, com saia rodada cheia de laços de fita, rendas e sianinhas, mangas "coco" e babados, sobre as anáguas que eram engomadas previamente para armarem as saias. Mais tarde, já na fase da adolescência, chegaram as anáguas de nylon "cancan", que não necessitavam de goma porque o próprio tecido já armava a estrutura das saias.
E foi assim, vestida de matuta, já de anáguas "cancan", que conhecí o meu primeiro amor, numa quadrilha junina, aos dezoito anos. Ele dançava com outra menina e eu com o meu par, mas a gente trocava olhares durante os ensaios e é impossível descrever a minha emoção quando os pares eram trocados e ele tocava a minha mão ou me dava o braço pra seguirmos o "Passeio na Roça". Somente no final da temporada de apresentações da nossa quadrilha, que foi numa cidadezinha da circunvizinhança de Caruaru - São Joaquim do Monte - é que nos aproximamos e dançamos juntos a noite inteira, ao som do Trio Nordestino, que cantava:
"TEM TANTA FOGUEIRA,TEM TANTO BALÃO
TEM TANTA BRINCADEIRA
TODO MUNDO NO TERREIRO FAZ ADIVINHAÇÃO..."
Outras festas juninas se sucederam. Agora já havia o "Dia dos Namorados" a comemorar, a troca de presentes, as carícias, o xamego no terraço lá de casa e um sem-fim de motivos pra rememorar...
"OLHA PRO CÉU MEU AMOR.
VÊ COMO ELE ESTÁ LINDO!
OLHA PRAQUELE BALÃO MULTICOR
QUE LÁ NO CÉU VAI SUMINDO
FOI NUMA NOITE IGUAL A ESTA
QUE TU ME DESTE O TEU CORAÇÃO
O CEÚ ESTAVA ASSIM, EM FESTA,
PORQUE ERA NOITE DE SÃO JOÃO
HAVIA BALÕES NO AR
XOTE E BAIÃO NO SALÃO
E NO TERREIRO O TEU OLHAR
QUE INCENDIOU MEU CORAÇÃO".
O velho "Lua Gonzaga", sempre presente em nossa vida!
Hoje o São João de Caruaru perdeu a sua autenticidade. É coisa "pra inglês ver". Virou mega-evento e transformou-se numa S/A, como é o destino de tudo o que é midiático e, portanto, alvo da cobiça dos poderosos e gananciosos de plantão. O autêntico forró-pé-de-serra foi substituído pelo forró eletrônico e estilizado, das "Calcinhas Pretas", "Magníficos" e "Calipsos". Virou franquia comercial, onde é explorada a nudez feminina e, por conseguinte, o sexo, explícito em coreografias e letras chulas. Acabou o "bate-coxa". O dançar agarradinho, com o suor escorrendo "da ponta do pé até o gogó", agora é coisa do passado. O que se vê, hoje, são mulheres voando sobre as cabeças dos seus pares e homens rivalizando com elas, no salão, pra ver quem faz mais acrobacias aeróbicas. Em vez de "Olha pro céu, meu amor!" o que a gente ouve é: "Pegue na minha e balance...", ou "Quando você toca em mim eu fico toda molhada"(Diz uma voz feminina, num sussuro, esforçando-se pra parecer o mais sensual possível)..
Tem, também, um tal de "forró universitário", constituído apenas de xotes, feito por quem não conhece as riquezas musicais do cancioneiro nordestino, que inclui o xaxado, o baião, o arrasta-pé, o coco-de-roda, o "samba de latada", a toada e um monte de outros ritmos que só quem vivenciou sua evolução "in loco" conhece suas delícias.
Hoje em dia, apesar da minha casa, em Caruaru, ficar a cem metros do Pátio de Eventos, pra onde converge uma multidão incalculável de turistas de todos os confins, prefiro ficar aqui, na capital, curtindo a minha saudade e dançando o meu forrozinho autêntico - o que, diga-se de passagem, eu faço o ano inteiro - porque não encontro mais qualquer identificação com o São João do interior, que conhecí tão de perto e viví tão intensamente. Uma pena!
Na foto, uma vista geral do Pátio de Eventos de Caruaru, nos dias atuais.
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